Paulo Ricardo Nauar Lisboa de Oliveira.*
Rodrigo Okino Nonaka.*
Paola Smanio.***
Introdução
O objetivo principal de um exame não invasivo na investigação de doença arterial coronariana suspeita e mesmo naqueles com doença conhecida, é identificar os pacientes com maior risco para eventos cardíacos adversos futuros.
Vários estudos têm sido feitos, mostrando o valor da cintilografia de perfusão miocárdica na identificação desses pacientes, valorizando-se a extensão e severidade do defeito de perfusão, aliada ás informações de função miocárdica obtidas pelo GATED-SPECT, para selecionar os casos que melhor se beneficiam das técnicas de revascularização e aqueles cujo tratamento clínico otimizado seria a melhor estratégia terapêutica (1-3).
Baseado nas informações fornecidas pela cintilografia, complementadas pela história clínica e presença de comorbidades, pode-se estimar o prognóstico de cada paciente, identificando aqueles de alto risco para infarto do miocárdio e morte cardíaca, que devem então ser estratificados de forma mais invasiva e encaminhados ao cateterismo e revascularização (4).
O objetivo deste artigo é comentar a aplicação da cintilografia de perfusão miocárdica na avaliação de prognóstico em pacientes com doença arterial coronariana (DAC) suspeita ou confirmada, diferenciar os pacientes de baixo, moderado e alto risco para eventos cardíacos maiores (infarto e morte), discutir a importância das informações complementares a respeito de função cardíaca obtidas com o GATED-SPECT e por fim selecionar os casos que se beneficiam de técnicas de revascularização miocárdica e aqueles que devem ser mantidos em tratamento clínico.
Estratificação de risco e análise de prognóstico
Para estratificar o risco e avaliar o prognóstico dos pacientes com DAC sem sintomas limitantes, a avaliação anatômica pura e simplesmente, não é suficiente. A avaliação funcional e a quantificação da isquemia são fundamentais.
Através da cintilografia do miocárdio obtém-se informações sobre perfusão e função ventricular esquerda. Conforme a perfusão as imagens são classificadas em:
Em relação aos parâmetros funcionais avalia-se:
A estratificação basea-se na habilidade de um exame normal em identificar pacientes de baixo risco e um exame anormal para selecionar os pacientes de alto risco. Neste contexto sabe-se que a cintilografia de perfusão miocárdica (CPM) normal representa um baixo risco (< 1% ao ano) para morte cardíaca ou infarto do miocárdio (IM), com um alto valor preditivo negativo (5). Entretanto, observou-se que pacientes submetidos a stress farmacológico constituiriam uma população de maior risco com mais comorbidades do que aqueles submetidos ao exercício e neste grupo as taxas de eventos maiores chegam a variar de 1.3 a 2.7% ao ano, sugerindo que a pior condição clínica e DAC extensa, estariam associadas a maior risco de eventos, mesmo com CPM normal (6).
Em um estudo envolvendo 7376 pacientes, Hachamovich et al. buscaram identificar os fatores de risco mais importantes, que implicariam em pior prognóstico, em pacientes com CPM normal. Nesse estudo evidenciou-se que os pacientes com DAC conhecida, idade avançada, diabéticos (principalmente do sexo feminino) e aqueles submetidos a stress farmacológico, teriam um pior prognóstico, com uma taxa para eventos maiores variando de 1.4 a 1.8% ao ano (7).
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Quadro 1: Preditores maiores de risco para eventos (morte cardíaca / infarto do miocárdio), na vigência de cintilografia de perfusão miocárdica normal (7).
A importância da avaliação cardiológica precoce nas mulheres portadoras de diabetes vem sendo cada vez mais estabelecida, mesmo naquelas sem sintomas cardiovasculares. A cintilografia do miocárdio associada à infusão de dipiridamol ou adenosina tem demonstrado ser de grande valor, já que muitas pacientes são portadoras de insuficiência vascular periférica e apresentam baixa capacidade funcional, tornando o teste ergométrico, por vezes inconclusivo (8).
Como o risco de eventos maiores é geralmente baixo após CPM normal, não existe ainda consenso a respeito do tempo em que este exame deva ser repetido (1).
Para uma informação prognostica mais completa não basta saber se o exame é normal ou anormal. Deve-se também levar em consideração a severidade e a extensão do defeito de perfusão. Sabe-se que quanto maior a extensão e a severidade, pior será o prognóstico (1,9-11) (vide figura 2).
A quantificação pode ser feita de maneira subjetiva pelo examinador, baseado na anatomia do ventrículo esquerdo e territórios das artérias coronárias respectivamente (figura 1).
Fig 1: Anatomia ventricular esquerda, cortes de 17 segmentos (12).
Fig 2: Risco de eventos cardíacos de acordo com a quantificação do defeito de perfusão (1).
Além da análise subjetiva, que é examinador dependente (figuras 3 e 4), a medicina nuclear dispõe de scores capazes de auxiliar o médico em seu diagnóstico (Mapas Polares, Summed Stress Score, Summed Rest Score, Summed Difference Score) (figuras 5 a 7). Dentre estes o Summed Stress Score (SSS), tem sido valorizado como importante preditor de eventos adversos (13). O SSS é um sistema de score que utiliza pontuação de 0 a 4, para quantificação da severidade do defeito (0 = perfusão normal, 1= redução mínima da perfusão, 2= redução moderada, 3= redução severa, 4= ausência de perfusão). Valores menores que 4 são considerados normais, 4 a 8 representam alteração discreta, 9 a 13 alteração moderada e maiores que 13 alteração severa (figura 8).
Em relação aos mapas polares (figuras 5 e 6), as zonas de isquemia são identificadas como “áreas negras”. Comparando as imagens de stress e repouso tem-se idéia da reversibilidade das lesões, além de analisar a extensão do defeito, através da estimativa de porcentagem de miocárdio acometido.
Figuras 3 e 4: Quantificação subjetiva da severidade e extensão do defeito de perfusão, baseado na anatomia do ventrículo esquerdo, na análise de cortes de 17 segmentos, conforme recomendado pela American Heart Association. Na imagem da esquerda observa-se cintilografia de perfusão miocárdica normal (paciente de baixo risco) e na imagem da direita evidencia-se isquemia anterior extensa e severa, caracterizando paciente de alto risco para eventos adversos (morte e IM).
Cintilografia de Perfusão Miocárdica Anormal
Alteração discreta da perfusão miocárdica
Pacientes com alteração discreta da perfusão, apresentam risco intermediário para IM, porém baixo risco para mortalidade (2.7 / 0.8% ao ano, respectivamente)(14). Nestes casos deve-se levar em consideração os sintomas e fatores de risco associados, comorbidades (idade avançada, DAC conhecida, diabetes, fibrilação atrial, stress farmacológico) para chegar a uma decisão de conduta apropriada para cada caso (1).
Alteração moderada a severa da perfusão miocárdica
O risco de IM e morte cardíaca é considerável (14) e estes pacientes devem partir para uma estratificação mais invasiva, buscando-se a possibilidade de revascularização.
Apesar de tanto os defeitos de perfusão fixos quanto os reversíveis serem preditores prognósticos, os pacientes com maior risco de eventos cardíacos são aqueles com defeitos extensos stress induzidos (1).
Figuras 5 e 6: Mapas polares. Na imagem da esquerda observa-se defeito de perfusão extenso (37% do miocárdio) e reversível, traduzindo isquemia. Na imagem da direita observa-se defeito de perfusão fixo, extenso (21% do miocárdio), traduzindo fibrose.
Figura 7: Defeito de perfusão stress induzido, reversível, traduzindo isquemia severa e extensa.
Outros marcadores de risco
Função ventricular esquerda (GATED-SPECT)
Vários estudos demonstraram o valor prognóstico independente da análise da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) pelo GATED-SPECT (1,15) e valor adicional ao comparar a FEVE no repouso e FEVE no pós-esforço (queda da fração de ejeção) (1,16). Sharir et al, relatam baixas taxas de morte cardíaca em pacientes com perfusão anormal e função ventricular preservada (16). Cabe salientar que para qualquer grau de isquemia o benefício da revascularização miocárdica, em termos de sobrevida, é maior em pacientes com redução de FEVE (1).
Figura 8: Mapa Polar e Summed scores. Observar Summed Stress Score (esforço) de 29, Summed Rest Score (repouso) de 8, totalizando um diferencial (Summed Difference Score) de 21, o que caracteriza o paciente como sendo de alto risco.
Dilatação Isquêmica Transitória (DIT)
A presença de DIT no exame de CPM representa isquemia extensa e severa (17). Têm-se demonstrado sua relação com estenose crítica em vasos que suprem grande massa do miocárdio, como lesão de artéria descendente anterior proximal ou multi-arterial (17). Para tanto considerar valores de DIT maior ou igual a 1.21 (18).
A presença de DIT na vigência de stress farmacológico tem implicações similares à encontrada no exercício (19).
Quando se observa DIT, deve-se ter cautela em classificar o paciente como sendo de baixo risco, especialmente portadores de angina típica, idosos e diabéticos (17).
Figura 9: GATED-SPECT, evidenciando comprometimento severo da função ventricular (FEVE 30%), com queda da FEVE no pós-esforço. Paciente de alto risco.
Captação Pulmonar
Normalmente não se evidencia captação do radiofármaco nos pulmões após stress, sendo que sua presença (quantificada através de relação pulmão / coração, normal <0.5 para Tl 201 e <0.45 para 99m Tc-sestamibi) indica disfunção ventricular stress induzida e DAC severa, tornando-se o mesmo um importante preditor de desfechos adversos (20), representando assim informação adicional à alteração de perfusão (21).
A correlação entre captação pulmonar e dilatação isquêmica transitória é fraca, sugerindo haver mecanismos fisiopatológicos diferentes para ambas e sua presença complementaria a estratificação da severidade e extensão da doença coronariana (1,21).
Figura 10: Imagem de cintilografia de perfusão miocárdica onde não se observa defeito de perfusão, porém note-se a presença de dilatação isquêmica transitória (TID 1.23). Deve-se ter cautela em classificar este exame como normal, uma vez que TID > 1.21 mostrou ter valor prognóstico.
Alteração do segmento ST durante stress farmacológico
Demonstrou-se relação entre depressão do segmento ST durante stress farmacológico, com eventos adversos futuros, apesar de sua presença ser infreqüente (22).
Visualização do ventrículo direito
A captação pelo ventrículo direito em repouso pode traduzir hipertrofia do VD, já a captação importante no pós-esforço tem sido associada a DAC (23).
Manejo clínico do paciente após resultado da cintilografia de perfusão miocárdica
A presença de isquemia é o melhor parâmetro para encaminhar o paciente à revascularização (RVM), aliada a outros indicadores, principalmente os sintomas limitantes e função ventricular.
Pacientes sem evidência de isquemia ou com isquemia discreta (< 10% do miocárdio) devem ser encaminhados inicialmente para tratamento clínico, que apresenta sobrevida melhor quando comparado a RVM (14). Já os pacientes com isquemia moderada a severa (> 10% do miocárdio) têm maior sobrevida quando submetidos a técnicas de RVM (14).
Pacientes com características clínicas de alto risco (idosos, mulheres diabéticas, stress farmacológico) beneficiam-se mais com RVM do que com terapia medicamentosa, independente de isquemia significativa (1,14).
Sendo assim desenvolveu-se um esquema de tratamento baseado nos benefícios potenciais, guiado pela cintilografia de perfusão miocárdica, conforme o organograma exposto.
Figura 11: Manejo do paciente após resultado da cintilografia de perfusão miocárdíca, baseado em benefícios potenciais (1).
Conclusão
A cintilografia de perfusão miocárdica / GATED-SPECT mostra ser um método complementar importante na prática cardiológica diária, sendo que através dos inúmeros dados obtidos, pode-se estratificar e prognosticar os pacientes, optando-se desta forma pela melhor forma de tratamento: revascularização miocárdica (percutânea ou cirúrgica) ou terapêutica medicamentosa otimizada.
RESUMO:
Baseado nas informações fornecidas pela cintilografia de perfusão miocárdica, complementadas pela história clínica e presença de comorbidades, pode-se estimar o prognóstico de cada paciente, identificando aqueles de alto risco para infarto do miocárdio e morte cardíaca, que devem ser estratificados de forma mais invasiva e encaminhados ao cateterismo e revascularização. O objetivo deste artigo é comentar a aplicação da cintilografia de perfusão miocárdica na avaliação de prognóstico em pacientes com doença arterial coronariana (DAC) suspeita ou confirmada, diferenciar os pacientes de baixo, moderado e alto risco para eventos cardíacos maiores (infarto e morte), discutir a importância das informações complementares a respeito de função cardíaca obtidas com o GATED-SPECT e por fim selecionar os casos que se beneficiam de técnicas de revascularização miocárdica e aqueles que devem ser mantidos em tratamento clínico.
PALAVRAS CHAVE: CINTILOGRAFIA DE PERFUSÃO MIOCÁRDICA. ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO. DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA.
SUMMARY:
Acording to the data provided by the miocardial perfusion cintilography test along with a patient´s clinical story and comorbities, it´s possible to estimate their prognosis, identifying those in high risk for acute miocardial infarct and death of cardiac cause. These patients should then be estratified with a more invasive exam such as the catheterism and revascularization. The objective of this article is to analyse the aplication of the miocardial perfusion cintilography test in the prognostic evaluation of patients with suspected or confirmed coronary artery disease (CAD), estratify patients in low, moderate or high risk for major cardiac events (death and stroke), discuss the importance of the complementary information about the cardiac function provided by the GATED-SPECT and select the cases wich would benefit from miocardial revascularization and those that should be kept under medical therapy.
KEY-WORDS: MIOCARDIAL PERFUSION CINTILOGRAPHY TEST. RISK ESTRATIFICATION. CORONARY ARTERY DISEASE.
Referências
Endereço para correspondência:
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia – Seção Medicina Nuclear
Av. Dante Pazzanese, 500. Ibirapuera São Paulo – SP.